quarta-feira, 20 de agosto de 2014

Professores destemporalizados


“Educar é impregnar de sentido o que fazemos a cada instante”.
Paulo Freire (1921 – 1997)

O mundo mudou! A forma de comunicação se transformou, a maneira de se relacionar se alterou, a expectativa de vida se metamorfoseou e a relação aluno-professor também partilhou desta radiação mutante-temporal. Entretanto, ao contrário do que se julga a partir do senso comum, um número considerável de professores parou no tempo. Estes usam os mesmos livros desde décadas atrás, valem-se das mesmas ilustrações desde o Brasil Colonial e aplicam os mesmos procedimentos pedagógicos desde sempre. Em tese, ser professor é impregnar-se numa rotina de constante transformação, descoberta e renovação, pois a carreira de docente exige que se contemporanize, reiterando o ato cíclico de tornar o saber contemporâneo acessível a cada geração. Ser professor é ter a destreza de trafegar em solos do passado com relevância presente e significação futura. Contudo, muitos professores estão destemporalizados e, então, não percebem que as coisas mudaram.

O uso do celular é um dos elementos de maior relevância nas mudanças ocorridas em sala de aula. A partir da década de 1990 boa parte dos brasileiros conseguiram obter um aparelho celular que tinha como principal função inicial falar com outrem. Pouco tempo depois se descobriu que falar ao celular era apenas um pequeno detalhe na história metamorfoseana das comunicações. O celular hoje é uma fonte de atualização constante. Fornece acesso a internet e facilita as conexões humanas com o saber. Contudo, para os professores destemporalizados, o celular é do mal. Proibisse a utilização em sala de aula - como se os alunos realmente fossem obedecer a tal arcaísmo. Não é possível retroceder nas mudanças, o que precisamos é readaptar (contextualizar e resignificar). Ao invés de proibir o celular, que o use como fonte de pesquisa, dentro e fora da sala de aula. Além do mais, nada melhor que um celular para distrair quando a aula está chata ou é irrelevante (algo muito comum em solos tupiniquins), desta forma o celular serve como termômetro educacional.

Para os professores destemporalizados evitar a cola em dias de prova é quase que a essência da docência (sem decência, claro!). Julga-se que a cola é inadmissível e devem ser punidos todos aqueles que infringirem tal sagrada diretriz. Contudo, a cola é só o reflexo da incoerência avaliativa. Cola-se, pois se sabe que mais importante que aprender é passar na disciplina. Cola-se, pois se sabe que não se sabe o que foi ensinado. Cola-se, pois entre os brasilianos sempre é mais interessante o caminho da corrupção do que da honestidade. Cola-se, pois não houve interesse durante as exposições acadêmicas antes da prova. E, cola-se, pois é assim que se faz por aqui. A maior infantilidade do professor destemporalizado é se gabar na sala dos professores que coibiu a cola entre os alunos - os alunos igualmente, e simultaneamente, estarão na sala ao lado se gabando de ter colado e o professor não ter visto. A cola é mais que um ato subversivo, a cola é o desnude da ineficiência dos agentes educacionais. Portanto, a orientação é que não se proíba a cola! Que deixemos os ventos das mudanças tornarem a cola ultrapassada por si só. Que os próprios alunos desejem não colar por pura noção de ética e consciência de aprendizado. Que não se cole, pois não há necessidade, tendo em vista que os alunos se apoderaram dos saberes expostos em sala. Que não precisemos de cão de guarda (professor) para evitar o agora inevitável (cola). Enquanto alunos quiserem colar de nada adianta o professor ensinar.

A presença (chamada) é outra luz que denuncia o quanto há professores destemporalizados. Neste viés, tem-se aqueles indecentes docentes que ousam fazer três ou quatro chamadas (a cada 45 min, aproximadamente). Com isto perde-se quase meia aula só no ato adestrado de ouvir eclodir os gritos de “presente”. A chamada é um recurso terroristico do professor, e por isto mesmo já a torna ultrajante e arcaica. Os tempos mudaram e cada indivíduo deve ter maturidade/consciência suficiente para julgar no que vale a pena gastar o precioso tempo. Obviamente, este processo de maturação se dá gradativamente, por esta razão, quase sempre se olha para o passado e julga que poderíamos ter feito melhor, com mais maturidade. Os alunos atuais querem deter as rédeas de suas vidas, querem poder se ausentar quando o que se está sendo ensinado não é coerente, lógico e desconexo com a realidade. O abandono dos alunos às salas de aula é um outdoor escrito com letras garrafais: “este conteúdo não me interessa, sua aula não tem didática”. É válida a ressalva que não estamos propondo que os professores sejam animadores de palco, tipo palhaços. Entretanto, o aluno tem total condição de julgar/criticar a ação docente se ausentando da aula fúnebre se assim o quiser. Isto sim demostra o quanto os tempos mudaram.

Assim e simplesmente,
Vinicius Seabra | vs.seabra@gmail.com
[escrito em 20 de Agosto de 2014]

sexta-feira, 8 de agosto de 2014

Aprovados em Medicina e nossas descelebrações


“Por natureza, os homens são próximos; a educação é que os afasta”.
Confúcio (551 a.C. – 479 a.C)

O encerrar do ensino médio traz consigo várias decisões consequentes que afetarão substancialmente a vida de seus protagonistas. A escolha do curso superior é uma destas que assola o vulnerável coração de adolescentes e jovens em solos tupiniquins. Até porque fazer um curso superior implica numa possível carreira profissional a partir dos conhecimentos que serão adquiridos. E é exatamente desta verdade que parte a crise educacional, profissional e ideológica de nosso tempo contemporâneo. Tem-se que escolher o que estudar (curso - área do conhecimento) e verificar todas as variáveis possíveis de uma jornada profissional (questões de sustentabilidade financeira, abrangência de mercado, condições de desenvolvimento, aptidão, paixão....). Contudo, o que mais se ouve como indagação decisiva é se o curso traz retorno financeiro, por esta razão muitos estão escolhendo Medicina – obviamente que há exceções.

O curso de Medicina resume tudo que os homens procuram: estabilidade financeira e status. Ao ver os classificados com vagas para médicos é normal encontrar salários iniciais de aproximadamente seis mil reais com carga horária muito inferior as tradicionais 40 horas semanais exigida dos outros pobres mortais-assalariados. Sendo que boa parte dos médicos atuam em dois ou mais hospitais, o que dobra ou triplica tal remuneração. Portanto, não há dúvidas que o caminho na Medicina é bem enriquecedor – nos mais diversos significados do termo enriquecedor. Paralelamente, ser médico (e os do ramo de Direito) são as únicas pessoas no mundo que recebem o título de Doutor (Dr.) sem terem feito doutorado, conferindo a estes um status altamente desejável na sociedade. Enfim, desfilar com os apetrechos/arquétipo de médico confere respeito e dinheiro – obviamente que a atuação médica não se restringe a estes benefícios, agregando várias responsabilidades e percalços aqui não mencionados.

A boa remuneração e o status oferecidos pelos cursos de Medicina provoca uma verdadeira odisseia juvenil nas escolas e cursinhos espalhados pelo Brasil. Há notícia de vários cursinhos que se especializaram com foco exclusivo no curso de Medicina, há ainda aqueles que o próprio nome da Instituição de Ensino se tornou “Medicina” deixando claro para a sociedade local que esta escola foca totalmente na aprovação de pessoas no curso de Medicina. Ao que parece, se você tem entre 16 a 19 anos, e não quer fazer Medicina, provavelmente deva ter algum distúrbio intelectual, hormonal, ou espiritual. Não querer fazer Medicina parece soar como uma afronta. Verbalizar que não tem interesse de ser médico faz gerar dúvidas sobre sua sanidade mental. O efeito de tal peregrinação medicienica é a desvalorização de outros cursos/profissões que são de vital importância para a humanidade, vários destes relegados cursos ainda existem porque são obrigados a serem mantidos (com muito prejuízo!) pelas Universidades Federais.

As escolas de ensino médio e os cursinhos se gabam quando alguém passa em Medicina, fazem-se outdoores, propagandas, banner’s e toda sorte de divulgação possível. Ao que parece é a coroação de um vencedor. De contrapartida, nos bastidores educacionais alguns poucos indomesticáveis (facilmente intitulados de fracassados) ousam prestar vestibular para cursos tipo: Arqueologia, Sociologia, Filosofia, Biblioteconomia, Astronomia, Geologia, Letras, Música, Oceanografia, Terapia Ocupacional, Antropologia, Museologia, entre tantos outros cursos marginalizados. Os que passam nestes cursos citados jamais terão seus rostos estampados em outdoor. Para estes não há status, e geralmente também não há boa remuneração. São anônimos agentes da história, que mantem vivo o conhecimento e suas relevâncias na coletividade. A estes descelebrados devemos nossa continuidade, humanidade e sanidade.

Fazer Medicina por dinheiro ou status é escolher o caminho da autodestruição, porém não poderíamos finalizar esta pensata sem destacar que há alguns poucos alunos que optam pela Medicina por vocação. Para estes, Medicina é: salvar vidas, correr riscos com fins a ajudar desconhecidos, estudar para melhorar a condição humana, desenvolver o intelecto como algo de patrimônio cultural-coletivo, submeter-se a responsabilidade de vida ou morte, e, alegrar-se em ter sido útil em fazer a vida continuar. Estes poucos médicos de vocação sabem que não são mais importantes que um musicoterapeuta, admitem que não são mais nobres que um museólogo, reconhecem que não devem ser mais aplaudidos que um filósofo, sabem que não carecem de status superior a um antropólogo. Portanto, devemos voltar nossos olhos para os vários cursos que ousamos descelebrar, visando resgatar o equilíbrio, maturidade e fraternidade.

Assim e simplesmente,
Vinicius Seabra | vs.seabra@gmail.com
[escrito em 08 de Agosto de 2014]