"O desafio
da modernidade é viver sem ilusões, sem se tornar desiludido".
Antonio Gramsci (1891 - 1937)
Karl Heinrich Marx era filho de Hierschel
Marx e Henrietta, era casado com Jenny von Westphalen. Marx nasceu em 05 de
Maio de 1818, em Tréveris, Alemanha. Em 1835 Marx ingressou na Universidade de
Bonn, na Alemanha, para estudar Direito. Posteriormente se transferiu para a
Universidade de Berlim, também na Alemanha. Doutorou-se em 1841 com uma tese
sobre as diferenças da filosofia da natureza em Demócrito e Epicuro. Logo no
início de sua trajetória intelectual propôs um caminho que tentasse combinar o
materialismo de Ludwing Feurbach com a dialética de Hegel.
Marx, em 1842, se tornou redator-chefe da
Gazeta Renana (Renânia, região do oeste da Alemanha). Contudo, devido a
Revolução de 1848, Karl Marx é forçado a abandonar o jornalismo na Alemanha,
mudando-se para a Inglaterra. As suas principais idéias e investigação foram,
entre outras: modo de produção, mais-valia, acumulação primitiva, alienação,
materialismo histórico, ideologia, luta de classes, materialismo dialético. É
válido ressaltar conforme SAVIANI, LOMBARDI, SANFELICE (2006, p.53): "A partir de 1843 até seus últimos textos que são de 1879,
80 – nos últimos três anos Marx não produziu nada, na verdade a partir de 1875
se registra uma curva decrescente da sua produtividade – a partir de 43, há uma
unidade na obra marxiana. E essa unidade é dada pelo objeto de investigação.
Que objeto é este? A gênese do desenvolvimento e as possibilidades de crise da
ordem burguesa. Esse é o objeto de Marx".
Karl Marx veio a falecer em 14 de Março de
1883, em Londres, Inglaterra. Contudo, seu legado histórico e bibliográfico
influenciaram fortemente grandes escritores posteriores, a saber: György
Lukács, Jean-Paul Sartre, Antonio Gramsci, Leon Trótski, Karl Kautsky, entre
outros.
As principais obras de Karl
Marx são: Para a crítica da economia
política (Título original:
Zur Kritik der Politschen Ökonomie - Ano: 1859), População,
crime e pauperismo (Título
original: Population, crime and pauperism -
Ano: 1859), Salário, preço e lucro (Título original: Value, Price and
Profit - Ano: 1865), O
Capital: crítica da economia política - Livro I: O processo de produção do
capital (Título original: Das Kapital: Kritik der politschen Ökonomie - Erster
Band: Der Produktion Prozess des Kapitals - Ano: 1867) [Nos anos seguintes, até a morte de Marx,
ele se dedicou a escrever os outros volumes d'O Capital, que foram publicados postumamente por Engels], Crítica do Programa de Gotha (Título original: Kritik des Gothaer
Programms - Ano: 1875).
A vida e obra de Karl Marx, apesar de ser
complexa por ocasião dos temas por ele abordados, não é de todo “difícil”, pois
como afirma GRESPAN (2008, p. 08): “Marx queria ser entendido”. E, acrescenta:
“fazia parte de sua [Marx] teoria que ela pudesse cooperar na transformação das
condições da sociedade capitalista” – destaque do autor. Por esta razão, Marx
empenhou sua vida para demonstrar que o Capitalismo é um sistema autodestrutivo,
posição esta encarnada de forma tão radical em seus escritos que,
contemporaneamente, NÓVOA (2007) rendeu-lhe o título de: “Incontornável Marx”.
Baseado nas obras publicadas de Marx pode-se
asseverar que a metodologia que ele usa perpassa a percepção de que a sociedade
só pode ser compreendida a partir das bases materiais e econômicas. Por isto,
SAVIANI, LOMBARDI, SANFELICE (2006, p.57) consideram: "para ele [Marx] o conhecimento teórico é necessariamente
conhecimento político. A determinação essencial é que a crítica das condições
da produção da vida material é somente o ponto de partida para a reprodução
teórica do movimento social". – destaque do autor.
Seguindo esta perspectiva, pode-se compreender
a sociedade com base na constituição econômica da mesma, que fora chamada por
Marx de infraestrutura – que é toda
parte material da sociedade e suas relações materiais/mercantis advindas do
processo de troca. Por esta razão, o método de Marx fora denominado de Materialismo Histórico-Dialético, que é
um método de interpretação e cosmovisão da realidade a partir das implicações
da práxis, isto é, da articulação da prática à teoria e da teoria à prática.
Sendo que tal percepção é desenvolvida através de abstrações do pensamento e da atividade prática. Como afirma
SAVIANI, LOMBARDI, SANFELICE (2006, p.56): "para Marx, a verdade é a coincidência, o encaixe, digamos
assim, de uma representação teórica com um objeto que antecede, objeto não
necessariamente material. O que distingue Marx dessa linha de continuidade é
que o critério de verdade para ele não é um critério da consciência solipsista;
é a prática social que aparece como critério de verdade. A questão da teoria,
ou mais exatamente, da reprodução ideal do movimento real, remete diretamente à
questão do método".
O método Materialista
Histórico-Dialético tem como principal adjetivo o movimento do pensamento
que perpassa pela materialidade histórica da vivência coletiva em sociedade.
Dai a aceitação do princípio da contradição, que parte do estado empírico,
passa pelo abstrato e se mostra visivelmente no concreto. Por esta razão
assevera ALCÂNTARA (2007, p. 61): "A dialética marxiana é uma herança direta da visão
hegeliana acerca da história. A diferença é que, como o próprio Marx afirma,
ele realiza uma inversão da espiral hegeliana. Ao falar em dialética Hegel
buscava estabelecer a idéia de que o movimento da consciência não é estável e
seguro, mas sim contraditório e conflituoso, tal com é a própria realidade.
Então o desenvolvimento histórico aconteceria com base em três momentos
distintos que se sobreporiam, sendo eles, negação, conservação e síntese. Marx
rompeu com o idealismo hegeliano, mas manteve a premissa de acordo com a qual a
realidade firma-se sobre um contexto extremamente complexo, o qual contém
elementos que ao entrarem em contradição promoveriam o desenvolvimento
histórico e a mudança social de fato (...) A dialética, então, representaria a
contradição e o conflito existentes na realidade social..."
A construção do termo Materialismo Histórico-Dialético, pode ser explicado da seguinte
maneira: 1) Materialismo, pois para
esta concepção filosófica a realidade tem como única causalidade a material, ou
seja, a realidade existe independente da vontade ou consciência do homem. Desta
maneira a realidade não está contida num idealismo, nem no mundo das idéias metafóricas
e/ou metafisicas. 2) Histórico, pois
a realidade não é linear, isto permite a historicidade (evolução e construção)
de um modo de produção que ocorre a partir do desenvolvimento das forças
produtivas e das lutas entre as classes em cada período histórico. E, 3) Dialético, pois a realidade é composta
pelo meio e pelo sujeito, e há uma reciprocidade entre este dois elementos, que
se dialogam e se contradizem durante toda a existência produzindo
transformações históricas “inacabadas” (mutáveis).
Como acrescenta KONDER
(2006, p. 85): "(...) era porque a história se caracterizava como um
processo contraditório de autorealização e desrealização prática do ser humano,
um processo que englobava toda a realidade dos homens, que se tornava imperioso
examinar criticamente o presente como história. E era porque, segundo a nova
concepção materialista da história, o conflito entre o caráter social da
produção e o caráter privado da apropriação capitalista se tornara o centro da
história contemporânea, que passava a ser absolutamente necessário escrever O Capital".
O tradutor Gabriel Deville, no prefácio a
tradução d’O Capital (versão
condessada, publicada pela Editora EDIPRO, 2008), explica sobre a metodologia
marxista ponderando que: "...estudo dos fenômenos sociais, baseando-se na única
concepção real: na concepção materialista. Não preconizou um sistema mais ou
menos perfeito do ponto de vista subjetivo: examinou escrupulosamente as
causas, agrupando os resultados das suas investigações e tirando delas
conclusão, que tem sido a explicação científica da marcha histórica da
Humanidade, e em particular do período capitalista que atravessamos. A
história, afirmou Marx, é apenas uma história da guerra de classes".
A obra O
Capital foi publicada em setembro de 1867 (apenas o Volume I ou Livro I),
os dois outros Volumes (Livros) foram publicados por Friedrich Engels após a
morte de Karl Marx. Estruturalmente a obra final ficou disposto da seguinte
maneira: Livro 1 - o processo de produção do capital, 1867; Livro 2 - o processo de circulação do
capital, 1885;
Livro 3 - o processo global da produção capitalista, 1894. Karl Kautsky,
após a morte de Engels, publica o Livro 4 - Teorias da mais-valia, 1905.
Tempos depois, em Frankfurt, 1969, fora publicado o Capítulo VI inédito de O Capital, texto aparentemente excluído por
Marx do Volume I.
A divisão temática d’O Capital (em três tomos) pode ser feita da seguinte maneira:
Volume 1: O processo de produção do capital (Mercadoria e dinheiro, Transformação
do dinheiro em capital, Mais-valia absoluta e relativa, Salário e Processo de
acumulação. Volume 2: Processo de circulação do capital. Volume 3: Processo
global da produção capitalista (Lucro e taxa de lucro, Capital comercial, Juros
e crédito, Renda da terra, Revenues
[rendimentos ou receita]).
Para fins didáticos serão pinçado apenas
alguns temas dentro do escopo d’O Capital
com fins de comprovação da coerência teórico-metodológica empregada por Marx.
Para tanto, iniciaremos a análise do percurso pelo Capítulo I, sob o título “A
Mercadoria”, onde Karl Marx (1983, p.45) de imediato explica as bases embrionárias
do que será investigado: "A
riqueza das sociedades em que domina o modo de produção capitalista aparece
como uma imensa coleção de mercadorias e a mercadoria individual como sua forma
elementar. Nossa investigação começa, portanto, com a análise da mercadoria. A
mercadoria é, antes de tudo, um objeto externo, uma coisa, a qual pelas suas
propriedades satisfaz necessidades humanas de qualquer espécie".
Na perspectiva de Marx a mercadoria é a
célula básica de uma sociedade capitalista. Isto se dá, pois a mercadoria é o
elemento mais visível do Sistema do Capital. Sendo que a partir desta
visibilidade se cria o relacionamento das pessoas com a mercadoria,
estabelecendo contato direto com o Capitalismo. Tendo em vista que todos, nesta
Sociedade do Capital, têm contato com a mercadoria, quer seja vendendo a força
de trabalho, quer seja comprando força de trabalho.
A mercadoria representa um valor referente a uma
quantidade de trabalho humano, sendo o valor
de uso representação do quanto a mercadoria satisfaz uma necessidade humana
ou desejo. E a partir destas representações se dá o valor de troca, que é quando uma mercadoria é trocada por outras
mercadorias. O preço dado na relação de troca é a expressão monetária do valor de troca. Sendo que o valor de troca da mercadoria está
correlacionado com a intensidade da força de trabalho empregado na mesma.
Marx quis mostrar que a relação visível que
as pessoas têm com a mercadoria é um processo de alienação, o que produz um fetiche,
como pondera MEKSENAS (2005, p. 83,84): "Somos levados a pensar que as mercadorias têm qualidades
próprias, que o dinheiro possui um poder de compra que é mágico. Isto se deve
ao fato de que, no processo de troca, as mercadorias se equivalem fazendo com
que o valor não apareça aos nossos
olhos, dando a impressão de que o valor de troca não seja manifestação do valor
e sim a manifestação das leis de oferta e procura. Essa inversão de sentidos,
Marx denominou de fetiche das
mercadorias, e consiste basicamente em dar a impressão de que as relações
sociais de trabalho são apenas relações sociais entre mercadorias".
A mercadoria no Sistema Capitalista também
pode agregar o processo de reificação
(LUCKÁS, 1989) ou coisificação, que é
quando o próprio trabalhador se transforma em mercadoria Por isto, WHEEN (2007,
p. 20) afirma: "Aqui, ainda embrionária, está a idéia básica do Capital. Por mais gloriosos que pareçam
os triunfos econômicos, o capitalismo permanece um desastre, uma vez que
transforma as pessoas em mercadorias intercambiáveis por outras mercadorias.
Até que os homens possam se afirmar como sujeitos da história, e não como
objetos, não há modo de escapar a essa tirania".
O termo alienação
fora largamente difundido por Karl Marx, especialmente na obra O Capital, demonstrando que a alienação se dá tanto no processo de
troca das mercadorias, quanto no processo produtivo propriamente dito,
impedindo que os seres humanos sejam efetivamente livres (SINGER, 1980). As
fontes propostas por Karl Marx sobre alienação
foram resultados das leituras sobre Hegel. Para ambos teóricos, a alienação está condicionada ao trabalho,
porém Marx sugere que o trabalho ao invés de realizar as pessoas, faz o
contrário, as escravizam (exploração). Sendo assim o trabalho não humaniza os
envolvidos no processo produtivo, mas sim os desumanizam e desconstroem suas
percepções sociais.
Para Marx a alienação econômica se dá
de duas maneiras: 1) atividade fragmentada – que desfigura (despersonifica) o
trabalhador por meio da divisão do trabalho especializado perdendo a noção do
trabalho total exercido coletivamente; e, 2) produto apropriado por outros – o
trabalhador tem a riqueza gerada pelo seu próprio trabalho tomada pelos donos
do capital, pelo que fora chamado de trabalho
pago e trabalho não pago, sendo assim o trabalhador perde a capacidade de
reconhecer o produto de seu trabalho, o que favorece a exploração (mais-valia).
O termo fetichismo
proposto por Marx evoca a idéia de ressignificação do objeto ou mercadoria.
Acontece quando o referido objeto/mercadoria torna-se representação de algo
distinto do real. Marx observou que o valor dos produtos no mercado não
dependia do esforço-trabalho empreendido, nem do material gasto para a produção,
mas sim pelo valor social agregado a este. Para exemplificar isto Marx (1975) vale-se
do relato bíblico sobre Moisés no Monte Sinai que após ir buscar orientação
sobre como conduzir os judeus pelo deserto percebe que o povo se reorganizou e
construiu um bezerro com o ouro que tinham para ser objeto de adoração. Este
processo de “veneração” da mercadoria (HOLANDA, 1995) é que Marx chamou de fetichismo – que acontece quando as pessoas
perdem a noção do que (e em que) acreditar (real).
Ao perpassar por estes tópicos d’O Capital, como fora exposto nesta seção,
fica notório que Marx teve coerência teórico-metodológica, segundo os
postulados do Materialismo Histórico-Dialético.
Isto pode ser comprovado, pois para esta matriz do conhecimento a existência se
reconhece a partir de uma realidade social que impreterivelmente é histórica,
portanto em constante movimento de contradição (mudança, dialética). Sendo assim
o marxismo ganhou destaque por fazer críticas ao positivismo, pois a dialética marxista questiona a estagnação da
realidade e a figuração da mercadoria (material) nas relações. Como acrescenta
GRESPAN (2008, p. 09, 82): "A dialética reproduz o movimento contraditório pelo qual
algo se apresenta como o inverso do que é (...) a dialética revelaria que, por
trás da aparente diversidade das coisas, se oculta o oposto (...) a dialética
tem função crítica de revelar a desigualdade
social na base da igualdade de todos... [a teoria de Marx é] adequada ao
mundo contraditório e mutante que é seu objetivo, a teoria de Marx possui
plasticidade que o mantém vivo, a despeito de ter a sua morte tantas vezes
decretada".
Karl Marx foi um dos grandes pensadores do
século XIX capaz de perceber o ciclo contraditório da vida capitalista e suas
relações de troca. E foi a partir destas percepções que Marx propôs O Capital, sendo uma de suas obras de
maior destaque até a contemporaneidade, um verdadeiro Magnum Opus. Para construir o trajeto metodológico de sua
investigação/comprovação, Karl Marx valeu-se do que ficou conhecido como Materialismo Histórico-Dialético,
corrente filosófica que admite a historicidade da realidade a partir de ciclos
não lineares, ponderando sobre suas contradições essenciais e existenciais.
A obra O
Capital merece destaque por tracejar a realidade social capitalista e
desnudar a derrocada do Capitalismo por ocasião do seu inerente desiquilíbrio
lógico. O acúmulo de capital, a exploração do trabalhador assalariado, o
processo de troca das mercadorias, a alienação econômica, o mais-valia e o
fetichismo são alguns destes sintomas que denunciam contra a sustentabilidade
econômica e social do Capitalismo.
Assim e simplesmente,
Vinicius Seabra | vs.seabra@gmail.com
[escrito em 30 de Agosto de 2014]
::Referências Bibliográficas::
GRESPAN, Jorge. Marx. São Paulo: Publifolha, 2008.
HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. São Paulo, Companhia das Letras, 1995.
KONDER, Leandro. O futuro da filosofia da práxis. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992.
LUCKÁS, Georg. História e consciência de classe. Rio de Janeiro: Elfos, 1923.
MARX, Karl. O Capital. Tradução e condensação de Gabriel Deville. 3 ed. Bauru,
SP: EDIPRO, 2008.
MARX, Karl. O Capital. V. I, tomo 1. São Paulo: Abril Cultural, 1983.
MARX, Karl. Capítulo
inédito d’O Capital: resultados do processo de produção imediato.
Porto: Escorpião, 1975.
MEKSENAS, Paulo. Aprendendo Sociologia – a paixão de conhecer a vida. 9 ed. São
Paulo, SP: Edições Loyola, 2005.
NÓVOA, Jorge (org). Incontornável Marx. Salvador: EDUFBA, 2007.
SAVIANI, Dermeval; LOMBARDI, José Claudinei;
SANFELICE, José Luís (orgs). História e
história da educação. 3 ed. Campinas, SP: Autores Associados: HISTEDBR,
2006.
SINGER, Peter. Marx. São Paulo: Edições Loyola, 2003.
WHEEN, Francis. O Capital de Marx: uma biografia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed,
2007.