François La Rochefoucauld
(1613-1680)
Cada professor, em sua prática acadêmica, têm suas próprias
dúvidas e inquietações que persiste em atormentar as normoses aulisticas. Um destes fantasmas que, particularmente, me
assombra é perceber que quase na totalidade dos alunos do curso de
administração, das instituições de ensino superior que tive contato, não têm
seus estudos financiados pelas empresas que trabalham. Há mais de uma década
faço a mesma pergunta em sala de aula e obtenho quase sempre os mesmos
resultados: “levante a mão quem têm seus estudos financiados pela empresa que
trabalham?”, resposta: uma ou duas pessoas levantam as mãos (numa sala de mais
de cem alunos - isto mesmo, mais de cem alunos!). Dai, questiono: “Por que a
empresa que vocês (alunos) trabalham não paga a faculdade para vocês?”, as respostas
mais comuns são: “o meu chefe tem medo de eu (aluno) saber mais que ele”, ou,
“porque é uma empresa que só pensa no lucro”. Então, faço a pergunta crucial:
“por que vocês (alunos) estão estudando?”, a resposta é dada em coro: “porque
quero sair da empresa que trabalho para ganhar mais”. Então, creio que ai está
a resposta para primeira pergunta.
A ilusão de que as empresas (cargos de chefia em especial) têm medo
da academia é um mito bem difundido aos discentes. Mito este muito bem arquitetado
e que mascara a fragilidade moderna. Não acredito que as empresas tenham medo de
que os funcionários, agora alunos, aprendam o suficiente para ameaçar qualquer
cargo dentro da empresa, pelas seguintes razões: 1) O que se aprende num curso
de administração quase sempre não tem muito a haver com administrar, mais sim
com ser o “funcionário do mês”. 2) A maioria dos alunos de administração, na
minha vivência acadêmica, nunca tiveram experiência de administrar empresas/negócios,
na verdade querem um emprego fixo e com estabilidade, por isto estudam para
concurso público, não para empreender. 3) O trabalho, para boa parcela dos
alunos, é apenas um meio para se pagar contas no fim do mês, não é um negócio,
uma paixão, uma idéia, um ideal, é apenas trabalho, qualquer trabalho. 4)
Grande número dos que estudam administração, reitero que digo a partir do que
vivencio nas IES, escolheram o curso de administração por este ser o mais
genérico e quase sempre o mais barato, então, não gostam de fato da área da
administração, apenas querem ter diploma de curso superior, e o curso de administração
foi o caminho que restou. Por tudo isto, e mais uma bucado de coisas que não é propício externar aqui, insisto: não
acredito que as empresas se omitem de financiar os estudos dos funcionários por
medo.
Outro fato que precisa ser destacado neste discurso é que as
empresas não tem intenção de financiar os estudos para os funcionários, pois
uma parcela considerável dos alunos não tem carreira, apenas trabalham. É
preciso diferenciar ambos os conceitos: quando digo “carreira” pressuponho uma
intencionalidade, um rumo, uma direção, uma planejamento, um foco, um norte. Dai
quando peço para pegarem os currículos deles mesmos e verificarem se de fato
estão construindo uma carreira, então, é perceptível que não. Isto se torna
notório, pois dois anos trabalharam no Peg
Pag da esquina, um ano de call center,
dois anos de caixa de supermercado, seis meses num Pet Shop, e por ai vai. Não
há internacionalidade, não há carreira, apenas há trabalho (qualquer
trabalho!). Então, não justifica financiar os estudos para alguém que não tem
carreira. Obviamente, que isto não quer dizer que não se possa mudar de
empresa, mas que se permaneça no mesmo ramo de atividade. A questão aqui não é
quanto tempo você fica numa empresa, não é acerca do turnover que estamos discorrendo, mas sim quanto tempo você tem de
experiência num determinado ramo de atividade. É possível trabalhar a vida inteira
e nunca ter tido uma carreira.
Ademais, acredito plenamente que a garota que vende bombons na
faculdade tem mais proximidade com os conteúdos, competências e habilidades do
curso de administração do que o gerente de uma grande empresa, pela seguinte
razão: Administrar é, sobretudo, ter autonomia sobre todos os processos
empresariais, então, isto não tem haver com salário e nem com cargos
hierarquizados, mas sim com a capacidade de interferir nas etapas. A garota dos
bombons tem que decidir quantos bombons vai produzir por dia, tem que prever
demanda para não haver desperdício, tem que saber a preferência dos clientes
para levar os sabores que agradam estes, tem que fazer leitura de cenário para
antever aos concorrentes, tem que criar a estética das embalagens, tem que
analisar a forma de logística de transporte dos bombons e o sistema de
armazenagem para o momento da venda, tem que ter noção de custo, precificação e
marketing. Enfim, a garota dos bombons, de fato, administra o negócio. Ela é
responsável e detém autonomia para interferir em qualquer etapa do negócio,
inclusive detêm o poder de decisão de não mais produzir bombons, se assim
quiser. De contra partida, o gerente de uma grande empresa tem uma autonomia
limitada, precisa de autorização para implementar várias mudanças, reporta a
vontade da diretoria da empresa, segue instruções dos administradores (ou
donos) do negócio, e quase sempre só tem poder de decisão na área em que é
gerente, limitando a abrangência empresarial. Reitero: a questão aqui não é
quem ganha mais, mais sim quem realmente é administrador. As empresas até
poderia estar dispostas a financiar os estudos dos funcionários, se realmente
acreditasse que estes poderiam ser administradores, não apenas
gerentes/supervisores.
O curso de administração deveria ser mais provocativo e menos
conformista. Deveria ter mais disciplinas que estimulassem os alunos a
arriscarem num novo empreendimento. Deveria possibilitar tomadas de decisão com
consequências reais. Deveria discutir mais sobre administração do que ganhos ou
benefícios. Deveria haver menos auto-ajuda e mais conteúdo. Deveria ter menos
euforia e mais motivação. Deveria possuir menos dinâmicas de grupo e mais
aprofundamento teórico. Deveria ter uma parte de prática empresarial real, ao
invés da Empresa Júnior ser uma mera organizadora de eventos e shows dentro das
faculdades. Enfim, o administrador tem que administrar. O curso de
administração não é lugar para formação de funcionários. O curso de
administração não é para aqueles que querem o lugar do chefe. O curso de
administração não é para quem quer prestar concurso público de nível superior.
O curso de administração não é para aqueles que sentam numa carteira e escutam
adestradamente o professor para passar na disciplina. Então, o curso de
administração é um convite para gente ousada, destemida, engajada e
comprometida. Gente esta que não se limita ao professor ou a instituição, mas
atreve-se ir além dos limites e experimentar o novo – arriscar-se por completo,
surpreender a sociedade/mercado, administrar com excelência. Portanto, “por que
as empresas não financiam os estudos dos funcionários?” Outra resposta possível
poderia ser: pois para ser funcionário não precisa ser administrador – e vice
versa.
Assim e simplesmente,
Vinicius Seabra | vs.seabra@gmail.com
[escrito em 27 de Agosto de 2015]