segunda-feira, 26 de dezembro de 2016

A desigualdade da escola


“É por isso que se mandam as crianças à escola: não tanto para que aprendam alguma coisa, mas para que se habituem a estar calmas e sentadas e a cumprir escrupulosamente o que se lhes ordena, de modo que depois não pensem mesmo que têm de pôr em prática as suas ideias”.
Immanuel Kant (1724-1804)

Para Castel (2008), a escola até reivindica o princípio da igualdade, mas é “incapaz de garantir a paridade dos grupos sociais” (p. 50), perspectiva igualmente partilhada por Burawoy (2010), ao afirmar que “embora pareçam neutras, as escolas presumem a posse de um capital prévio” (p. 19). Para Bourdieu (2014), esse capital prévio é de origem elitizada e de classe dominante.

Para Bourdieu (2007) a ação pedagógica transmite conteúdo, mas também transmite “a afirmação do valor do conteúdo” (p. 257). Por esta razão, afirma: “[...] A escola contribui, portanto, para reproduzir a estrutura das relações entre as frações das classes dominantes fazendo com que as crianças originárias de outras classes ou de outras frações não possam extrair de seus títulos escolares o mesmo lucro econômico e simbólico obtido pelos filhos da grande burguesia de negócios e do poder por estarem melhor colocados para relativizar os julgamentos escolares” (Idem, p. 265).

Segundo o autor, a formação escolar, assim como a diplomação/titulação escolar, está associada diretamente ao capital social do indivíduo. Por essa razão, “o diploma não passa, em última instância, de uma caução facultativa que serve para legitimar a herança” (BOURDIEU, 2007, p. 334). Para exemplificar essa lógica da hereditariedade profissional condicionada à hereditariedade escolar, fruto direto de um capital global, o autor cita a profissão de médico como exemplo mais palpável. Ele escreve a partir do contexto da França, que não difere do contexto do Brasil nesse quesito, pois número considerável de acadêmicos de medicina são filhos de médicos, comprovando o processo de legitimação da herança.

As juventudes pobres brasileiras não apresentam capital global competitivo, ou, ao menos, há de se admitir que o capital global partilhável nas classes populares é destoante dos esperados pela escola e pela cultura dominante (BOURDIEU, 2014). Então, segundo Duarte (2012), há uma descrença nos instrumentos estatais como reguladores de equidade e oportunidade, sendo, o Estado corresponsável pelo desinteresse dos jovens pela educação. O autor endossando Bourdieu, afirma que: “Observam-se, nos sistemas educacionais brasileiros, mecanismos sutis de exclusão dos jovens da escola, garantidos por um complexo discurso que preconiza a democratização da escola para todos, mas, na verdade, a poucos reserva a continuidade e o sucesso escolar” (DUARTE, 2012, p. 194).

Para Duarte (2012), a escola deveria ser capaz de dialogar com a realidade dos alunos, contribuindo para a formação de sujeitos críticos, capazes de refletir sobre a realidade histórico-social do bairro em que moram. Contudo, segundo postula, a escola é, contrária e intencionalmente, o principal agente de manutenção das desigualdades, inculcando nos jovens a obediência e a aceitação, assim como a não identificação com a realidade local.

Nesse sentido, Nidelcoff (1980) defende que a função do professor deveria ser a de ajudar os alunos a compreender a realidade, a se expressar a partir dessa realidade e, por fim, descobrir-se como elemento de mudança na referida realidade. Segundo a autora, “isto se fundamenta numa visão do homem como ser histórico que se realiza no tempo” (p. 6-7). Contudo, como assevera Duarte (2014), “a cultura escolar aparece distante da vida dos jovens, de suas necessidades, e muito pouco contribui para o desenvolvimento humano e social” (p. 89), o que dificulta demais a permanência dos jovens na escola, fato este igualmente perceptível nos relatos dos jovens.

Para Duarte (2012), a escola no contexto liberal desempenha um papel ideológico e, por vezes, utópico em relação à ascensão social das classes populares, ascensão esta que se daria, supostamente, por consequência direta do mérito e do esforço individual desses jovens, resgatando, assim, a mesma lógica do protagonismo, agora, porém, estabelecida a partir das relações escolares. Tal perspectiva reafirma, mais uma vez, a rota de colisão entre as expectativas subjetivas e as condições objetivas. Segundo o autor, é por essa razão que se estabelece uma dialética perversa, que se desdobra em dois momentos: primeiro, no fracasso escolar dos jovens pobres e, segundo, no movimento de rejeição da escola.

Assim e simplesmente,
Vinicius Seabra | vs.seabra@gmail.com
[escrito em 12 de Março de 2016]



REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
BOURDIEU, Pierre. A economia das trocas simbólicas. 6ª ed. São Paulo: Perspectiva, 2007.
BOURDIEU, Pierre. Os herdeiros: os estudantes e a cultura. Florianópolis: Editora da UFSC, 2014.
BURAWOY, Michael. O marxismo encontra Bourdieu. Campinas, SP: Editora Unicamp, 2010.
CASTEL, Robert. A discriminação negativa: cidadãos ou autóctones? Petrópolis, RJ: Vozes, 2008.
DUARTE, Aldimar Jacinto. Jovens urbanos da periferia de Goiânia: Espaços Formativos e Mediações Escolares. 2012. 216 f. Tese (Doutorado em Educação) - Universidade Federal de Goiás, 2012.
DUARTE, Aldimar Jacinto. A educação escolar e os processos de enfrentamento da realidade urbana por jovens da periferia. Revista Educativa. Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC-GO), Goiânia, v. 17, n. 1, pp. 75-92, jan/jun. 2014.
NIDELCOFF, Maria Tereza. A escola e a compreensão da realidade. 2 ed. São Paulo: Brasiliense, 1980.

sexta-feira, 9 de setembro de 2016

Administração - possibilidades de redefinição social


"Desenvolva as pessoas e elas desenvolverão a Organização”.
Idalberto Chiavenato (1936-  ) 

Administração não é uma atividade restrita ao campo empresarial, está presente em outros setores da economia como Administração pública e Administração de instituições sem fins lucrativos. Há de se considerar também que a noção de administração não se dá num cativeiro econômico, mas extrapola tais delimitadores hierárquicos e traz consigo implicações coletivas, sociais e históricas. Gerar lucro é apenas uma das inúmeras possibilidades em decorrência de ser administrador, não é a única, e para muitos casos nem é a principal.

Administrador(a) não é um funcionário(a) com melhor remuneração ou com melhor posição hierárquica, nestes casos permanece-se como alguém que deve subordinação a outrem e, então, não detém autonomia para tomada de decisões. A Administração é um conceito, e para tanto, rompe com as cadeias rotuláveis de cargos, títulos e hierarquias, sendo assim é possível ser administrador sem ter um alto cargo, e o inverso é igualmente possível. O administrador(a) sabe que posições são temporárias e que não revela necessariamente autoridade ou capacidade, por esta razão, aprendem a viver em bandos, respeitando as diferenças e soluços da vida.

Administração não é para todos, é para um seleto grupo de desvairados artistas que não se contentam com as cores existentes e arriscam a inovar, criar e empreender. Os administradores almejam responder os anseios da sociedade oferecendo uma nova maneira de ser sociedade. Entretanto, é preciso considerar que nesta busca muitos encontraram um caminho de individualismo, consumismo e cinismo, e pior, conseguiram reproduzir tais desvirtudes em grande escala. Estes não representam a Administração, representam suas próprias egoístas ambições.

Administrador não é melhor que alguém, é apenas um alguém que se dispõe a planejar, organizar, dirigir e controlar as mais elementares situações da existência humana. Administração é por definição uma ação coletiva. Desta forma, o conhecimento das Ciências Administrativas não torna alguém superior, mas o torna responsável por muitos. Portanto, o que se requer de um administrador é a hombridade de não se esquecer de que “o homem forte defende a si mesmo, o homem mais forte defende aos outros” (O Segredo dos Animais, 2006, Nickelodeon Movies).

Assim e simplesmente,
Vinicius Seabra | vs.seabra@gmail.com
[escrito em 08 de Setembro de 2016]

sábado, 27 de agosto de 2016

Diálogos intermitentes


“Amo o público, mas não o admiro. Como indivíduos, sim. Mas, como multidão, não passa de um monstro sem cabeça”.
Charles Chaplin (1889-1997)

A sensação de rapidez do mundo moderno faz-nos tornar obsoletos antes do tempo. A certeza de estarmos ultrapassados para esta geração não é apenas uma sensação esporádica ou especulativa, é uma afirmativa incontestável. Entretanto, permanecemos úteis a um sistema pugilista de competitividades em que se faz necessário ter perdedores para reafirmar a frágil grandeza dos atuais campeões. Tudo isto é parte intencional de estruturas simbólicas fortemente enrijecidas, que como considera Pierre Bourdieu, estratégias de jogo com resultados viciados, previsíveis e categorizantes. Neste sentido, é preciso treinar os perdedores para lutar para perder e assim reafirmar padrões midiáticos de hegemonias caritativas de sucesso e enriquecimento.

As fôrmas mudaram de tamanho inesperadamente e fez com que muitos não mais coubessem nos padrões modeladores de outrora. O mercado formal com sua seguridade não mais permanece sustentável numa sociedade docilmente indurável, ou como propõem Zygmunt Bauman, numa sociedade liquida. Os museus estáticos com obras de artes que recompõem a historicidade perdem lugar para a fugacidade de trinta segundos televisivos de uma propaganda qualquer. Não mais toleramos o preto no branco, precisamos de muitas cores, tantas que se torne impossível contar, tudo para nos perdermos numa multidão de informações ahistóricas que não conseguem formar, mas apenas aprisionar nossas percepções da vida coletiva. É assim que se adestra uma geração para viver para o trabalho.

O discurso uníssono comprova nossa incapacidade crítica de encontra respostas fora da cartilha dos senhores do feudo moderno. Por estes tempos tudo parece tão concordável e absolutista, como diria Milton Santos, estes são tempos de globalitarismos, de discurso único que fomenta uma consciência universal. Parece que tudo está posto: aquecimento global, terrorismo islâmico, globalização, supremacia estadunidense, corrupção tupiniquim, eleições eletrônicas, jornalismo imparcial e empresas com cases de sucesso. Por este viés as obviedades se dão como ditaduras sofistas em um mundo carente de convicções e cosmovisões.

Assim e simplesmente,
Vinicius Seabra | vs.seabra@gmail.com
[escrito em 27 de Agosto de 2016]

sexta-feira, 22 de julho de 2016

O esquecimento, a negação do passado e o silêncio


"podemos dizer que hoje, em nossa experiência como humanos, o passado não conta muito, pois não oferece fundamentos seguros para uma perspectiva de vida".
Zygmunt Bauman (1925- )

O esquecimento, a negação do passado e o silêncio são características do tempo presente, e sendo assim tornam-se produtora de cultura. É preciso que parta do pressuposto que a “memória não se reduz ao ato de recordar” (DELGADO, 2003, p. 17), e sendo assim se dá, essencialmente, na relação com o esquecimento e a negação do passado. Logo, analisar o esquecimento e o abandono do passado se torna fundamental no processo de reconstrução da memória. Então, se para Ricoeur (2007), “lembrar-se é, em grande parte, não esquecer” (p. 451), o inverso também se mostra funcional, ou seja, esquecer é, em grande parte, não se lembrar e, nesse caso, daquilo de que não se quer lembrar.

Segundo Ricoeur (2007) “o passado vivenciado é indestrutível” (p. 453), ou seja, permanece enquanto registro mnêmico, ainda que de forma inconsciente. Lombardi (2011) confirma tal ideia e acrescenta: “ao mesmo tempo em que a cultura é feita de memória, esta contraditoriamente também implica no esquecimento” (p. 77). Para o autor, a memória é “a possibilidade e capacidade de dispor dos conhecimentos passados” (Idem, p. 86). Sendo assim, o esquecimento e a memória são mecanismos capazes de conservar, reviver e restabelecer as atuais trajetórias histórico-sociais, pressupostos partilhados originariamente nos escritos de Ricoeur (2007), segundo os quais o esquecimento está intimamente relacionado à memória.

Na perspectiva de Jameson (2000) há uma crise de historicidade que é capaz de desvelar um diagnóstico cultural de esquizofrenia social. Para tanto, o autor afirma que “somos incapazes de unificar o passado, o presente e o futuro de nossa própria experiência biográfica” (p. 53). Para esse autor, o resultado estético dessa ruptura de temporalidade é o isolamento, é o fortalecimento do presente, numa espécie de materialidade das percepções e a perda da realidade, sendo que tudo se dá numa intensidade “alucinógena ou intoxicante” (Idem, p. 54).

Segundo Bauman (2011), a sociedade atual só consegue viver uma parte da história e “não se deixa integrar facilmente numa totalidade” (p. 97). Essa sensação de desapego ao passado e de virtualidade do futuro aponta para uma realidade do mundo do capitalismo emergido da lógica do consumismo, onde o imediatismo, a flexibilidade e a satisfação momentânea são discursos assimilados com naturalidade. Sendo assim, Bauman (2008) afirma que as âncoras estão flutuando.

Assim e simplesmente,
Vinicius Seabra | vs.seabra@gmail.com
[escrito em 15 de Maio de 2016]


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
DELGADO, Lucilia de Almeida Neves. História oral e narrativa: tempo, memória e identidades. Revista História Oral - Associação Brasileira de História Oral, n. 6, pp. 9-25, jul. 2003.
RICOEUR, Paul. A memória, a história, o esquecimento. Campinas, SP: Editora da Unicamp, 2007.
JAMESON, Frederick. Pós-modernismo: a lógica cultural do capitalismo tardio. São Paulo: Ática, 2000.
BAUMAN, Zygmunt. A sociedade individualizada: vidas contadas e histórias vividas. Rio de Janeiro: Zahar, 2008.
BAUMAN, Zygmunt. Vida em fragmentos: sobre ética pós-moderna. Rio de Janeiro: Zahar, 2011.
LOMBARDI, José Claudinei [org]. História, memória e educação. Campinas: Alínea, 2011.

quarta-feira, 13 de abril de 2016

Um olhar sobre a tribalização juvenil


“Os velhos desconfiam da juventude porque foram jovens”.
William Shakespeare (1564-1616) 

Para Maffesoli (1998, p. 09) o movimento de tribalização é um “processo de desindividualização”. Sendo, portanto, capaz de socializar os indivíduos em grupos de afinidades provocando agrupamentos sociais. Para o autor o tribalismo é um resgate do arcadismo da sociedade pré-industrial que se ajuntavam em tribos para sobreviverem, o que provoca um sentimento coletivo nos indivíduos inseridos na mesma.

Segundo Martins (2004), são exemplos de tribos urbanas, tipicamente jovem: punks, shinheads, rapper, skaters, white powers, clubbers, grunges e góticos. Sendo que tais ritos de tribalização são mediados e fomentados, na atualidade, essencialmente via redes sociais. Abramo (2014, p. 46) expande a lista inserindo outras formas de manifestação da cultura juvenil, especialmente por meio da música: rock, heavy metal, reggae, hip hop e funk; e também por meio da dança: street dance e break; por fim, também a apresenta por meio do esporte: basquete de rua e skate. Sendo assim, Maffesoli (2010) afirma que o movimento de tribalização pode ser de ordem sexual, musical, religiosa, esportista, cultural e político.

Maffesoli (2010, p. 24) destaca a importância da tribo quanto construtora de identidade. Para o autor a tribo “impõe códigos, modos de vestir, práticas de linguagem”. Nos estudos de Pais (2004) acerca da juventude há um grande destaque para a noção de tribalização, suas representatividades juvenis e sua inserção confrontativa junto na realidade convencional. Segundo o autor o processo de tribalização funciona como esteios para a criação de novas realidades, realidades estas “subversivas em relação a realidade percepcionada” (PAIS, 2004, p. 16). Para o autor as tribos juvenis confrontam e põem em atrito diferentes realidades, e sendo assim muitos comportamentos dos jovens são percebidos como anómicos.

Para Pais (2004, p. 17) “as tribos geram um sentimento de pertença que assegura marcos conviviais que são garantes de afirmações identitárias”. Desta forma o autor acredita que este processo é produtor de “vínculos de sociabilidade e de integração social”. Por esta razão, o autor associa o processo de suposta subversão, ao que ele denomina de conversão tribal, por ser esta uma percepção mui peculiar e necessária para a sobrevivência dos jovens no contexto moderno. Maffesoli (2001, p. 79) acrescenta que: “Todo mundo é de um lugar, e crê, a partir deste lugar, ter ligações, mas para que este lugar e estas ligações assumam todo o seu significado, é preciso que sejam, realmente ou fantasiosamente, negados, superados, transgredidos. É uma marca do sentimento trágico da existência: nada se resolve numa superação sintética, tudo é vivido em tensão, na incompletude permanente”.

Dito isto, há de se repensar o movimento moderno de tribalização juvenil proposto por Maffesoli (1998) especialmente em dois aspectos, a saber: primeiro, a transitoriedade e provisoriedade da identificação tribal, pois como defende Roure (2011, p. 156) na atualidade os laços são estabelecidos “em torno de imagens descartáveis e objetos consumíveis oferecidos por uma cultura globalizante”. Sendo assim, a identificação coletiva, ou tribal, não seria uma desindividualização como propõe Maffesoli (1998), mas sim sinais de individualização contemporânea.

A segunda consideração sobre o pressuposto de tribalismo de Maffesoli (1998) se dá pelo fato de que as tribos urbanas juvenis podem não ser um agrupamento coletivo num sentido latto, mas sim um agrupamento de individualismos. Isto permite ponderar que a relação com a tribo se dá pelo interesse individualizado de reconhecimento social, disputa de poder e dominação simbólica. Desta forma o movimento de tribalização funcionaria não como um campo de fraternidade como propõe Maffesoli (1998), mais sim como um campo disputa, desclassificação e classificação.

Assim e simplesmente,
Vinicius Seabra | vs.seabra@gmail.com
[escrito em 20 de Março de 2016]


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
MAFFESOLI, Michel. O Tempo das Tribos: o Declínio do Individualismo nas Sociedades de Massa. 2 ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1998.
MAFFESOLI, Michel. Saturação. São Paulo: Iluminuras, 2010.
MAFFESOLI, Michel. Sobre o Nomandismo: Vagabundagens Pós-Modernas. Rio de Janeiro: Record, 2001.
MARTINS, Wilmont de Moura. Trilhas Juvenis: uma Análise das Práticas Espaciais dos Jovens em Goiânia. 2004. 134 f. Dissertação (Mestrado em Geografia) – Universidade Federal de Goiás, Goiânia, 2004.
ABRAMO, Helena Wendel [org]. Estação Juventude: Conceitos Fundamentais – Pontos de Partida para uma Reflexão sobre Políticas Públicas de Juventude. Brasília: Secretaria Nacional de Juventude, 2014.
PAIS, José Machado [org]. Tribos Urbanas: Produção Artística e Identidades. São Paulo: Annablume, 2004.
ROURE, Glacy Queiroz de. Juventude, O Tempo Das Tribos e as Torcidas Organizadas. Revista Educativa. Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC GO), Goiânia, v. 14, n. 1, pp. 155-167, jan./jun. 2011.

quinta-feira, 24 de março de 2016

Jovens pobres brasileiros – revoltosos docilizados


“O discurso não é simplesmente aquilo que traduz as lutas ou os sistemas de dominação, mas aquilo porque, pelo que se luta, o poder do qual nos queremos apoderar”.
Michel Foucault (1926-1984) 

Segundo Ribeiro (1985, p. 75) o povo brasileiro, como parte dos Povos-Novos, apresenta em sua constituição de formação cultural uma lacuna histórica, “a ausência de um segmento social intermediário e autônomo com o qual pudessem aliar-se na luta pela reordenação da sociedade”. A intermediação que se fazia necessário, segundo o autor, seria entre o estado de escravidão e à condição de trabalhadores livres. Portanto, segundo o autor, se desenvolveu a continuidade de “uma conduta passiva” e “um condicionamento ao regime servil”. Sendo que estas características permanecem pigmentando a história de vida do povo brasileiro, sendo especialmente visível entre as classes populares. Sendo válido considerar a observação de Burawoy (2010, p. 77), que baseado nos estudos de Bourdieu, afirma que: “a submissão ao capitalismo é profunda e inconsciente”. Este processo de passividade endossa o estado de naturalização da pobreza.

A conduta passiva e o condicionamento do regime servil (RIBEIRO, 1985, p. 75) se desvelam na vivência dos jovens pobres de periferias sob o disfarce de outras categorias, mas com similitudes ideológicas percebíveis, a saber: primeiro, a noção de protagonismo juvenil (DUARTE, 2012) que encarna a conduta passiva, transferindo toda culpa do sucesso ou fracasso para as histórias de vidas dos jovens, evitando assim qualquer possibilidade de rebeldia contra os agentes opressores, confirmando, então, o condicionamento ao regime servil, ou seja, os jovens pobres de periferias são docilizados (RIZZINI, 1997).

A segunda similitude parte da gestão filantrópica da pobreza, denunciada por Telles (2001). Sendo assim, os jovens pobres admitem passivamente o estado de naturalização da pobreza em suas histórias de vidas como um processo inevitável, culminando na intermediação social de Instituições do Terceiro Setor. Ao mesmo tempo em que as Instituições Sociais confirmam a passividade de ser jovem pobre, favorece o regime servil, pois para ser beneficiado por qualquer intervenção social é requerido dos jovens a obediência às diretrizes institucionais que, invariavelmente, ocupam territórios privados.

Os jovens pobres das periferias brasileiras desfrutam de uma historicidade que anteveem as suas próprias histórias de vidas e, então, remetem a uma história do Brasil. Sendo assim torna-se perceptível que o movimento de colonização ainda é constante e parece ter premunições de permanência histórico-social. Sendo que na atualidade o “globalitarismo” proposto por Santos (2001) ocupa-se de dar continuidade neste processo de colonização, condicionamento, exploração, dominação e naturalização. O resultado imediato é a negação de suas próprias histórias locais e a identificação com a história do opressor. O escape mnêmico que é dado se categoriza como esquecimento.

Assim e simplesmente,
Vinicius Seabra | vs.seabra@gmail.com
[escrito em 24 de Março de 2016]


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
RIBEIRO, Darcy. Os Brasileiros. Livro I – Teoria do Brasil. 8 ed. Petrópolis: Vozes, 1985.
BURAWOY, Michael. O marxismo encontra Bourdieu. Campinas, SP: Editora Unicamp, 2010.
DUARTE, Aldimar Jacinto. Jovens Urbanos da Periferia de Goiânia: Espaços Formativos e Mediações Escolares. 2012. 216 f. Tese (Doutorado em Educação) – Universidade Federal de Goiás, 2012.
RIZZINI, Irene. O Século Perdido: Raízes Históricas das Políticas Públicas para a Infância no Brasil. Rio de Janeiro: Editora Universitária Santa Ursula, 1997.
TELLES, Vera da Silva. Pobreza e Cidadania. São Paulo: USP, 2001.
SANTOS, Milton. Por uma outra Globalização: do Pensamento único à Consciência Universal. 6 ed. Rio de Janeiro: Record, 2001.

sábado, 27 de fevereiro de 2016

Urgentes, mais do que importantes


"O segredo é não correr atrás das borboletas... é cuidar do jardim para que elas venham até você”.
Mario Quintana (1906-1994) 

Da dicotomia entre urgente e importante muito já se foi debatido nos celeiros acadêmicos, especialmente do campo da administração e ciências afins. A definição é por demais simples: urgente se refere a tudo aquilo que precisa ser feito imediatamente; importante se refere a tudo aquilo que é estrutural. É obvio que o importante é mais “importante” que o urgente, mas estranhamente, na prática do cotidiano dedicamos mais tempos às emergências do que para as construções. Isto não é novidade. Entretanto, o que deveria nos incomodar não é a distinção dos termos, ou muito menos a certeza axiomática de que o importante precisa ser cultivado. O que realmente deveria incomodar é a não compreensão do porque na sociedade do século XXI somos tão facilmente seduzidos pelo urgente, mesmo quando não é de fato urgente.

O urgente deveria ser aquelas situações esporádicas que por estarmos tão atentos ao que realmente é importante, então, se mostrariam no horizonte como uma possibilidade, se houver tempo, pois afinal, estamos dedicando tempo ao que é importante. Entretanto, esta não é a realidade. Somos uma geração que se esconde por detrás da máscara do “sem tempo”, uma boa desculpa para gente que vive correndo do tempo. Dizemos estar sempre atrasados, mesmo quando não temos para onde irmos. Andamos depressa, mesmo quando há tempo para ir devagar. Esquivamos nossa intelectualidade no “estou cansado” com que num sussurro de desordem emocional e social que estamos emaranhados. Nosso corpo se desfalece na cama, não porque fizemos o que deveria termos feito ao final do dia, mas porque fizemos muito, mesmo sem saber termos tido progresso. Enfim, nos acostumamos com a sintonia e afinação do “urgente”, gostamos de estar lá, deleitamos em não termos tempo de reconhecer que não estamos vivendo o que é importante.

O urgente tem o dom de corroer nossa sanidade, dai nos põem numa roda gigante de intermináveis assuntos a serem resolvidos, que ao fim da lista já se pode ver na página seguinte outra lista a recomeçar. Podemos correr o dia todo, no outro dia a coisas estão lá outra vez para serem resolvidas. O urgente é como um capim em dias chuvosos, que se arranca dia após dia e ao olhar pra traz percebe-se que já nasceram outra vez. O urgente é interminável. Insuportável. Mas... há de se ter algo de sedutor no urgente, pois do contrário não viveríamos nossas trajetórias a enamorar com tal desvirtude. Talvez o urgente nos fascine com sua não rotina, mesmo que o amanhã seja igual. Quem sabe o charme do urgente seja a sensação de estarmos ocupados, mesmo que não produzindo nada. Quiçá o urgente nos embebede com sua objetividade, mesmo que ao fim não se tenha objetivos. O estado de urgente não dá lá muito tempo para se questionar estas coisas, pois não há tempo, se está sempre cansado, há muitas outras coisas para se fazer. O urgente é o câncer que nos define na sociedade moderna, é a mascara ideal para pessoas que precisam reafirmar suas convicções mais duvidosas, é uma selfie de nossa alma.

O importante fica lá no cantinho, a espera de um olhar para se desvelar como um caminho possível. O importante não é orgulhoso, não gosta de ficar se expondo todos os dias, não é dado a frases de efeito ou a encantos de gente que virou mercadoria. O importante é sempre o oposto do urgente. Jamais se consegue fazer algo de importante com urgência, se precisa de urgência, provavelmente não deve ser tão importante. O importante não precisa ficar correndo para parecer que se têm muitos lugares pra se chegar, como se nossas vidas se resumissem a destinos. O importante não se esmorece com o cansaço, pois sabe que é preciso descansar para se fazer o que é importante. O importante não é um estágio de sempre ocupado, pois o importante não se acumula. O importante não preocupa em acabar com listas de afazeres, pois só há uma coisa a se fazer, o importante.

Tristemente, somos uma sociedade do urgente, pois este se revela como uma patologia de nossas descontinuidades sociais, emocionais, afetivas, históricas, administrativas e religiosas – somos urgentes. O urgente nos faz sentir úteis, nos faz parecer estar inserido no movimento. Contudo, o urgente é uma dissimulação de nossas fraquezas que se fortalecem a cada ocorrência de emergência. O urgente nos faz sentir competentes a cada situação resolvida, nos faz acreditar que as coisas se resolvem rapidamente. Contudo, apesar de nosso imediatismo moderno, temos problemas históricos, estruturais. Então, a razão do urgente ser mais atrativo que o importante é relativamente simples: perdemos a importância.

Assim e simplesmente,
Vinicius Seabra | vs.seabra@gmail.com
[escrito em 27 de Fevereiro de 2016]

sábado, 30 de janeiro de 2016

Entre fluidez, liquidez e estupidez


“Nossas vidas começam a terminar no dia em que permanecemos em silêncio sobre as coisas que importam”.
Martin Luther King Jr (1929-1968)

Ligue o celular, conecte-se, veja o “zap zap”... é assim num elevador. Preferimos olhar uma tela com sorrisos e selfies ensaiadas, do que olhar para o lado e ver semblantes que espelham nossas vidas modernas. Preferimos enviar uma imagem com “bom dia” para grupos virtuais, do que saudar com um “bom dia” o desconhecido vizinho junto ao elevador. Tristemente, perdemos a habilidade de conversar, hoje, apenas sabemos teclar. Neste mundo com tanta fluidez e liquidez descobrimo-nos na estupidez.

Ligue o celular, conecte-se, veja o “zap zap”... é assim no carro. Quando as luzes vermelhas do sinaleiro ficam acesas, como que numa visível metáfora de que é tempo de parar, preferimos acelerar nossas percepções e mais uma vez sermos abduzidos para aquelas coisas já ditas e para as mefistofélicas correntes de solidariedade de gente que não mais sabe olhar para fora do vidro de um carro com ar condicionado. Tristemente, perdemos a habilidade de perder tempo, hoje, apenas queremos ganhar tempo. Neste mundo com tanta fluidez e liquidez descobrimo-nos na estupidez.

Ligue o celular, conecte-se, veja o “zap zap”... é assim num restaurante. Comer não mais é um momento prazeroso de deleites e sensações coletivas, como tenta resgatar o movimento slow food. Comer se tornou apenas um ato selvagem de encher a barriga para continuar a trabalhar. Nesta insanidade compartilhada, os seres místicos das macumbas e das oferendas à Iemanjá acabam sendo os mais coerentes. Tristemente, perdemos a sensibilidade do paladar e, hoje, apenas nos tornamos mutantes com habilidades touch screen. Neste mundo com tanta fluidez e liquidez descobrimo-nos na estupidez.

Ligue o celular, conecte-se, veja o “zap zap”... é assim na igreja, em casa, numa festa, na fazenda, no amor, na família, nas brigas, nas paixões, nas noites, na cama, no banheiro... enfim, não somos o que teatralizamos todos os dias para nós mesmos, somos apenas aquilo que fazemos todos os dias com os outros. Quer saber quem você é? Desligue o celular e “conheça-te a ti mesmo” (aforismo grego). Há vida longe do “zap zap”, há vida para além das conexões virtuais, há vida após o celular. Então, fuja da fluidez, ignore a liquidez (numa perspectiva de Zygmunt Bauman) e verás a estupidez.

Ps.: Por isto, quando eu estiver off-line, não ligue, apenas espere, retorno quando der, se realmente precisar. Por isto, quando eu não comentar algo no grupo do “zap zap”, não desespere, não estou chateado com alguém, apenas estou olhando para o lado, contemplando a luz vermelha. Por isto, quando eu ficar em silêncio, não tente entender o que estou pensando, pois provavelmente não estarei pensado, apenas desligando-me, saboreando uma boa galinhada com pequi. Por isto, aproveite esta mensagem e desligue seu celular um pouco, fale um bom dia no elevador, e principalmente, escute o bom dia de outros. Enfim, se eu não responder, é porque estou procurando as perguntas, e pra isto preciso deligar um pouco o meu celular.

Assim e simplesmente,
Vinicius Seabra | vs.seabra@gmail.com
[escrito em 30 de Janeiro de 2016]