sexta-feira, 22 de julho de 2016

O esquecimento, a negação do passado e o silêncio


"podemos dizer que hoje, em nossa experiência como humanos, o passado não conta muito, pois não oferece fundamentos seguros para uma perspectiva de vida".
Zygmunt Bauman (1925- )

O esquecimento, a negação do passado e o silêncio são características do tempo presente, e sendo assim tornam-se produtora de cultura. É preciso que parta do pressuposto que a “memória não se reduz ao ato de recordar” (DELGADO, 2003, p. 17), e sendo assim se dá, essencialmente, na relação com o esquecimento e a negação do passado. Logo, analisar o esquecimento e o abandono do passado se torna fundamental no processo de reconstrução da memória. Então, se para Ricoeur (2007), “lembrar-se é, em grande parte, não esquecer” (p. 451), o inverso também se mostra funcional, ou seja, esquecer é, em grande parte, não se lembrar e, nesse caso, daquilo de que não se quer lembrar.

Segundo Ricoeur (2007) “o passado vivenciado é indestrutível” (p. 453), ou seja, permanece enquanto registro mnêmico, ainda que de forma inconsciente. Lombardi (2011) confirma tal ideia e acrescenta: “ao mesmo tempo em que a cultura é feita de memória, esta contraditoriamente também implica no esquecimento” (p. 77). Para o autor, a memória é “a possibilidade e capacidade de dispor dos conhecimentos passados” (Idem, p. 86). Sendo assim, o esquecimento e a memória são mecanismos capazes de conservar, reviver e restabelecer as atuais trajetórias histórico-sociais, pressupostos partilhados originariamente nos escritos de Ricoeur (2007), segundo os quais o esquecimento está intimamente relacionado à memória.

Na perspectiva de Jameson (2000) há uma crise de historicidade que é capaz de desvelar um diagnóstico cultural de esquizofrenia social. Para tanto, o autor afirma que “somos incapazes de unificar o passado, o presente e o futuro de nossa própria experiência biográfica” (p. 53). Para esse autor, o resultado estético dessa ruptura de temporalidade é o isolamento, é o fortalecimento do presente, numa espécie de materialidade das percepções e a perda da realidade, sendo que tudo se dá numa intensidade “alucinógena ou intoxicante” (Idem, p. 54).

Segundo Bauman (2011), a sociedade atual só consegue viver uma parte da história e “não se deixa integrar facilmente numa totalidade” (p. 97). Essa sensação de desapego ao passado e de virtualidade do futuro aponta para uma realidade do mundo do capitalismo emergido da lógica do consumismo, onde o imediatismo, a flexibilidade e a satisfação momentânea são discursos assimilados com naturalidade. Sendo assim, Bauman (2008) afirma que as âncoras estão flutuando.

Assim e simplesmente,
Vinicius Seabra | vs.seabra@gmail.com
[escrito em 15 de Maio de 2016]


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
DELGADO, Lucilia de Almeida Neves. História oral e narrativa: tempo, memória e identidades. Revista História Oral - Associação Brasileira de História Oral, n. 6, pp. 9-25, jul. 2003.
RICOEUR, Paul. A memória, a história, o esquecimento. Campinas, SP: Editora da Unicamp, 2007.
JAMESON, Frederick. Pós-modernismo: a lógica cultural do capitalismo tardio. São Paulo: Ática, 2000.
BAUMAN, Zygmunt. A sociedade individualizada: vidas contadas e histórias vividas. Rio de Janeiro: Zahar, 2008.
BAUMAN, Zygmunt. Vida em fragmentos: sobre ética pós-moderna. Rio de Janeiro: Zahar, 2011.
LOMBARDI, José Claudinei [org]. História, memória e educação. Campinas: Alínea, 2011.